domingo, 23 de outubro de 2011

"um amor calado pela vida"










Só agora me apeteceu um pouco de música. um pouco de electricidade. a chuva hoje cantou-me o dia todo enquanto pintava. Delicioso... não me entristece a ida do Sol. Tudo tem o seu tempo. Esta chuva apetece-me. aquece-me. é uma chuva permissiva, uma chuva de possibilidades. gosto. o vento está tão forte agora. dá-me arrepios de viagem e leva-me a tantos sítios bonitos... Já não desejo o Sol enquanto chove, já não desejo chuva enquanto faz calor, apesar de gostar do inapropriado, do desenquadrado, do desalinhado...apesar de achar que as coisas fora de tempo têm o seu encanto, já não as desejo. Já não desejo nada que não esteja, que não seja. Conheço os meus desejos, sei-os portadores de tristeza. meu desejo é sinónimo de não ter. Desejo reduzir os meus desejos a nada! só quando o Nada é meu desejo recebo um presente verdadeiro. Sei-o paz. Só os meus sonhos quero que fiquem sempre nos meus cantinhos íntimos. Seio-os sonhos.
Ando a ler um índio mexicano, um tal de Dom Juan (imagine-se!)...talvez ele me esteja a encher com pedacinhos de sonhos, pedacinhos da verdade que quero para mim. gostei de o ler assim:"Somente a ideia da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Um homem assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiar, tudo de todas as coisas.
Um homem desprendido, que sabe que não tem possibilidade de evitar sua morte, só tem uma coisa em que se apoiar: o poder de suas decisões. Ele tem de ser, por assim dizer, o senhor de suas opções."

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

é urgente contemplar! é urgente curiosificar!





Já devia saber de que cacos sou feita e as maneiras como me parto. nem metade sei se sou afinal.
Se eu pudesse ler o tempo. se ao menos conseguisse sentir-me pertença. só queria receber a calma do caos com o olhar que não entende mas sossega. saber que ela chega quando não anseio nem mordo os lábios. preciso do saber pela questão. num diálogo feito monólogo ao jeito de Sócrates. sem problematizar, entender o mundo das ideias e acreditar que são apenas conceitos livres e abertos. dúvidas felizes.
precisava de respirar fundo ao som do silêncio, brando, baixinho. um sussuro.
Caótica de desentender. saudades do que nem sei. de quem não está. tenho saudades de falar comigo, de me saber ouvir. saudosismos de um calor que não queria falso.



não consigo escrever numa forma pré-fabricada. não consigo ler os conceitos absolutos. apenas nas entre-linhas vive o interesse.
Estou circular. neste sítio, cá dentro, pareço-me às voltas. se ao menos não sentisse o repetido. sempre esta presença feita de ausência.



o espelho não funciona hoje.



a janela não abre. não me deixo.
Queria um pecado em forma de chave-mestra que me abrisse. para me despir. ser vista nua através dos olhos de uma alma sem nome nem ideais nem julgamentos.
Queria pôr as mãos na terra e moldar-me num barro renascido, seguir numa carroça sem saber para onde vou e chegar lá. mergulhar num mar morno e deixar de sentir o meu peso. voltar ao útero.



Dou-me uma lufada de verdade e uma brisa de alívio. Sinto que toquei uma vez mais o meu limite de sociabilização e preciso respirar um ar só meu. nunca gostei de andar encarneirada e apesar de algumas vezes o ter feito sei que não pertenço a rebanhos. não tenho pachorra para conversa de conveniência. fala-se demasiado e esgotam-se as palavras num insistir em nada dizer. dos rebanhos apenas ouço ecos de ovelhinhas que um dia em vez de erva engoliram dicionários.



preciso-me curiosa novamente! digo para mim o quanto é urgente!!! preciso perguntar as respostas. falar pela pintura. gritar até. despertar. rápido e a sentir o tempo. Todo o tempo é meu também. Sempre e quando me deixe só estar, só ser. Contemplar a dúvida e dela duvidar de tanto acreditar.



Mais que viver é curiosificar.

domingo, 16 de outubro de 2011

FoMe


Tenho uma fome pequenina.
Gosto de comer pouco de cada vez.
Levo sempre uma maçã na mala.
Levo sempre um pedaço de Marta na algibeira.
Pedaço aqui e outro ali vou descobrindo o que queria e o que não queria. o bonito e o feio. mas guardo tudo. agora já guardo tudo! nada se deita fora porque nada desaparece; recicla-se, recria-se. refina-se. todos são pedaços que tanto procurei nos sítios perdidos...nas coisas erradas.
Houve um tempo que nem sei onde estava. tempo houve em que nem era. os pedaços espalhados por toda a parte, não se viam em lado nenhum, não havia lugar. não os queria ver. nem queira ser. preferia não saber...era mais fácil.
Tinha fome e tinha sede, mas não sabia do quê... Não havia espaço...não havia tempo.
Hoje vejo pedaços em tantos lugares, em tantas pessoas. Estão lá...no querer saber, no desejo do sonho, no sentir com os sentidos todos. Estão lá, num olhar, numa palavra recebida, numa tela pintada. numa folha em branco. Estão em todo o lugar onde me ouço. Estão em todo o tempo em que sei ser.

Já sei ver de olhos fechados. sei ouvir sem sons. já sei receber o que nada parece. Sei ler sem letras. Aprendi e gosto.
Prefiro saber agora. Escolho saborear.
Pedaços pequeninos, doces e amargos, ruidosos, gritantes e silenciosos. Pedaços que por vezes arranham mas não me tiram o apetite.
E...a minha fome já não é pequenina. Quanto mais me alimento mais fome tenho.
Tenho tanta fome de pedaços de Marta!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

o sonho de uma palavra pequenina

Era uma vez uma palavra dita.
Era uma palavra pequenina, daquelas que quase nem se dá por ela, contudo de uma importancia vital para o sentido das coisas. aliás...como todas as coisas pequeninas.
Era feliz na sua pequenez. Adorava o significado das coisas, principalmente das minúsculas.
Gostava da sua realidade. gostava de jogar com as suas as amigas palavras. gostava de saborear o sentido das frases, de se sentir útil. Gostava de ser dita e desdita, de ser pensada e repensada.
andava por aqui a e por ali. aparecia sempre que pronunciada ou escrita. Era uma palavra fiel e nunca se cansava de ajudar o seu companheiro entendimento e o seu primo conhecimento.
Não era uma palavra ambiciosa e contentavas-se com os modos mais simples da sua existência. Adorava todas as suas formas: o verbo o substantivo e tinha um carinho muito especial pelo adjectivo.

Era assim...

Contudo num dia como outro qualquer, acordou e pensou no quanto era esperado dela...sentiu o peso até das coisas pequeninas. E se um dia quisesse ir de férias? e se um dia quisesse desligar-se do mundo?
Começou a ficar triste e pensativa. tinha deixado de sentir a magia do conhecimento. Começou a questionar se seria assim tão essencial à produção do entendimento.
não deixava contudo de cumprir com o seu papel. lá estava ela sempre que dita ou escrita. Mas começou a ter um sentido prejurativo...havia nela algo de implícito que não se conseguia detectar numa primeira leitura. começou a ser uma palavra sonhada...cheia de sinónimos e antónimos...começou a crecher...já não era tão pequenina.
as suas amigas palavras começaram a achá-la estranhamente apática...nostálgica...não entendiam e um dia perguntaram-lhe: "amiga estás bem?" ao que ela respondeu "Sim...estou só a sonhar...sonhar....sonhar..."
"E que sonhas?" - perguntaram
"Sei lá...sonho com tudo e com nada. Mas o meu maior sonho era só ser uma palavra por dizer!"