silêncio...
o cheiro das tintas...as mão frias. a matéria está em mudança.
'estive há dez minutos atrás na varanda do meu quinto andar a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de universo curiosamente parece ser o único sitio que temos para passar a longa noite que nos espera e é aí que eu saio para apanhar a frequência como que a comer um ponto e a cagar um verso no meu prisma a encaixar provavelmente no de outros feito um filósofo de merda mas a vida é isso mesmo um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe dizer o que viveu por isso nos pedem que caminhemos alegres para um precipício sem questionar porque estamos longe mas longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa para longe eu não quero mandar-te para longe mas eu sei que me entendes tu também tens medo de morrer toda a gente tem só que normalmente evocamos nomes de problemas para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante quando não tem importância nenhuma entretanto o tapete rola e nós irritamo-nos como é inevitável e nos nossos sonhos dizemos: torna-me imortal! torna-me imortal! Eu não vou aguentar deixar de existir e é aí que eu entro para sair da frequência seduzir-te com os meus sonhos tu não vês como empreendo e como eu mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos abraços de outros acéfalos na lotaria dos ideais descrentes beijando o muro do bilhete mas quero dizer-te que a viagem é tua e não quero empurrar-te à força para a rua se eu falhar vou passar de deus a carrasco embalsamado e metido dentro de um frasco para te lembrares da mentira mas a verdade é que ganhamos sempre'
Só agora me apeteceu um pouco de música. um pouco de electricidade. a chuva hoje cantou-me o dia todo enquanto pintava. Delicioso... não me entristece a ida do Sol. Tudo tem o seu tempo. Esta chuva apetece-me. aquece-me. é uma chuva permissiva, uma chuva de possibilidades. gosto. o vento está tão forte agora. dá-me arrepios de viagem e leva-me a tantos sítios bonitos... Já não desejo o Sol enquanto chove, já não desejo chuva enquanto faz calor, apesar de gostar do inapropriado, do desenquadrado, do desalinhado...apesar de achar que as coisas fora de tempo têm o seu encanto, já não as desejo. Já não desejo nada que não esteja, que não seja. Conheço os meus desejos, sei-os portadores de tristeza. meu desejo é sinónimo de não ter. Desejo reduzir os meus desejos a nada! só quando o Nada é meu desejo recebo um presente verdadeiro. Sei-o paz. Só os meus sonhos quero que fiquem sempre nos meus cantinhos íntimos. Seio-os sonhos.
Ando a ler um índio mexicano, um tal de Dom Juan (imagine-se!)...talvez ele me esteja a encher com pedacinhos de sonhos, pedacinhos da verdade que quero para mim. gostei de o ler assim:"Somente a ideia da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Um homem assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem ansiar, tudo de todas as coisas.
Um homem desprendido, que sabe que não tem possibilidade de evitar sua morte, só tem uma coisa em que se apoiar: o poder de suas decisões. Ele tem de ser, por assim dizer, o senhor de suas opções."
quantas Francescas Woodman? quantas vezes te multiplicas. quantas vezes me sinto como sempre te fotografaste em autoretratos crus - uma suicidada da sociedade - só porque sou ausente.
quando foi Francesca...qual foi o momento que te tornou desintegrada? quando foi que realmente te suicidaste? sei que foi muito antes de te atirares de uma janela aos 22 anos. quando foi Francesca? vejo-me em todas as prisões das tuas fotos, são antes espelhos. daqueles que não reflectem, daqueles que se respiram. Raios...mas será que niguém te ouviu?!!!? tantas fotos, boas! tantos gritos, altos tão altos. e ninguem te ouviu? e porque agora todos falam de ti? os criticos então são fenomenais nas suas brilhantes respostas carregadas de palavras caras, que me cansam. o silêncio que se ouve quando os que se pensam vivos cotemplam as tuas fotos. os que te vêem ficam mudos por séculos no seu interior, porque o confronto é demasiadamente cru. e dão por eles ali despidos quase a tocar a verdade. e eu tenho saudades das fotos que nunca chegaste a fazer, porque nao te deste tempo. mas vejo-as todos os dias. em cada caixinha vazia dos meus cantos, estás lá, em cada sitio escuro, estás lá.
e tudo fica ali, num sítio escuro , fechado em caixinhas vazias. secalhar porque é ali que deve ficar. quando foi que deixei de sentir o tempo? quantas vezes mais terei de acreditar que a vida será sempre pouca para o que quero? e quantas outras me parecerá uma eternidade?
Cansaste-te não foi? cansaste-te de esperar a resposta. entendo. eras crua nas tuas histórias e não mostrasvas medo de as contar bem alto. quando foi então?
sei que em aguma altura pertenci a algo. sei porque por vezes vejo a minha silhueta em tanta coisa: na terra, numa sombra, numa conversa sem palavras, numa tela por pintar. sei que estive lá, que pertenci. quando foi que isso aconteceu? já não vejo o tempo, nem acredito. por enquanto só vejo silhuetas. por vezes parece que ainda nem nasci. por vezes parece que nunca estive, nunca fui. fui apenas importancia relativa. se pudesse ao menos encontrar o momento!
sei que algumas caixinhas não se vão encher só porque eu quero. sei-me capaz de muita coisa, mas não disso. ficarão assim vazias e escuras à espera das respostas.
quando foi Francesca?
Cheguei à recepção. Tão angustiada, perdida, assustada, rendida. Lembro-me do olhar triste da minha mãe; ser iluminado que me deu a vida mais do que uma vez. Lembro-me de apanhar um trevo e colá-lo nas páginas do meu diário gráfico citando "Porque procuramos sempre um trevo de 4 folhas quando a Natureza os fez de 3? Porque nos complicamos a existencia?" .
Esse diário foi-me retirado assim que lá entrei e alguem me disse "aqui não podes desenhar...não vais ter tempo, talvez no fim-de-semana!" Chorei de medo. Como?? não vou poder ter o meu diário sempre comigo??? Como não terei tempo??? Mas é um diário...feito de momentos. E os momento não acontecem só ao fim-de-semana!!! Mas que momentos tinha eu? Se nem vida tinha!
Desci aquelas escadas sem me sentir e gritava em silêncio "Ajudem-me por favor". Uma alma ferida como eu sentou-se a meu lado e ofereceram-nos uma sopa, que tentávamos tragar a muito custo. Olhar perdido, palavras sem nexo. Olhávamo-nos mas nem nos viamos. Vazio.
Seguiram-se muito abraços daqueles que eu nunca tinha sentido e disseram-me "Bem vinda". soube-o então: já não estava sozinha!
Aos poucos comecei a abrir o olhos, a caminhar, a sentir..a sentir tudo! Era terrível...tanta dor. Chorei como nunca tinha chorado antes. Chorei muito. Chorei tudo.
Foi há um ano. Hoje sinto tudo com os sentido todos e é bom! Tenho abraços à minha espera todos os dias. Vida afinal.
Parabéns Marta.
ouvia isto no regresso como que para lembrar-me do inicio da minha primeira decada de vida, das piscinas no alentejo, unico refugio para fugir do calor, e das minhas romantizações de miúda. e é assim que me sinto. foi assim que me senti quando vinha por aquela estrada repetida ao quadrado, de noite. chorei. porque tenho medo do que aconteceu porque eu quis. calor falso que me atrai. rumos conhecidos pela sensação de querer sempre mais. de não conseguir parar nem dizer não. de não conseguir resistir. negar. tenho medo. conheço-me assim. mas a situação é tão nova. e tão feia. podia ser tão bela, pela pureza com que me entrego. mas vou querer sempre mais. e não vou conseguir parar sempre e quando me busques com o olhar. basta isso, um olhar. migalhinhas de carinho emprestado, conveniente, que eu aceito. é nada o que me dás. e eu aceito. é falso e aceito. sinto-me meia torta emocionalmente com tudo isto. louca. num limite que me é familiar. tanta dor por momentos de prazer. emprestado, falso, corrompido.
Já te fechei a porta tantas vezes, entras pela janela outras tantas, e eu fecho também. vejo-te de costas uma e outra vez. e doi. e depois regressas e eu abro a porta as janelas e dou tudo. desvio-me do caminho por instantes. desejo o fugás e o intenso, porque nesses momentos não sinto nada, saio de mim, deixo de existir para o mundo ou para outra coisa qualquer. Vendo-me por tão pouco Deus meu! não gosto de mim assim. mas nesse instante não importa porque não sinto, não estou, não vejo, não sou. é depois que vem tudo de enchorrada. como sempre foi tudo na minha vida. sou assim desviada. só.
estava tudo tão calmo naquela casa, naquele mar. ouve momentos em que te senti outro, um outro familiar, tão meu como só ele. aprtei a tua mão, estava quente mas era mais pequena, não era a dele afinal. Alimento assim essa saudade do genuino que tive e não consegui manter. perdi. e doi muito. ainda sinto tanta culpa, tanda dor de perca. parece-me um luto interminável. AAAahhh como eu gostava de ser já muito velhinha e olhar a humanidade com os olhos calmos da rendição. olhar para trás e rir disto tudo. porque afinal sou só humana, só uma mulher, miúda, menina, gaiata. como quando estava nas piscinas a lutar contra o meu medo de megulhar lá do alto, do mais alto de todos e de tudo. mas acabava sempre por mergulhar. sempre arrisquei, ainda que pelo que sei falso, arrisco. o que está lá para trás não quero. já tive, já não me engana, não é mais opção. mas isto é novo e arrisco. no meu intimo sei contudo que é um calor falso, cheira até.
espero ,sonho, vou cansar-me e vai doer. mas sonharei sempre sempre. é o mehor que tenho. é o sonho de que sou feita